O Verão era assim como uma casa de morar onde todas as
coisas estão…
Manuel Amado
18 de maio a 17 de julho de 2016
Inauguração dia 18 de maio às 18h00
Curadoria: Paula Rego e Catarina Alfaro
26 óleos sobre tela realizados entre 1975 e 2008
Uma seleção de Paula Rego
"Estes quadros possuem todos uma
simplicidade ameaçadora", afirmou Paula Rego, enquanto escolhia as
pinturas. Não há dúvida de que a obra de Manuel Amado se constrói a
partir de um mistério que é, à partida, simples: as coisas normais
vêem-se sobre um ângulo diferente, e por isso os modos de conceção
da subjetividade na apreensão do mundo podem tornar-se a verdadeira
fonte do enigma. Cada uma destas pinturas será, então, um exercício
de perceção do invisível no visível da obra. A sua pintura não
restitui o visível mas torna visível. Em pintura, como
paradigmaticamente afirmou Klee, não se trata de reproduzir ou
inventar formas, mas sempre de um exercício de captação de forças.
É por isso que nenhuma arte é figurativa, sendo a tarefa da pintura
definida como uma tentativa de tornar visíveis as forças que não o
são: "a luta com a sombra é a única real. Quando a sensação visual
afronta a força invisível que a condiciona, desprende-se dela uma
força que pode vencer esta, ou então fazer dela uma aliada".
O encontro, furtivo ou explícito, com as histórias
e as imagens que as contam nunca se traduz, na obra de Paula Rego,
numa tentativa de ilustrar a pintura antiga, a palavra, o romance,
ou a persistência das imagens cinematográficas ou teatrais que se
alinharam como as suas influências marcantes.
Ao compilar fragmentos de pinturas, caçados aqui e
ali, Paula Rego arranca da sua memória histórias e imagens que
estão associadas às suas impressões visuais mais profundas,
auxiliada por novos - mas temporalmente longínquos - estímulos
visuais que actualizam essa memória. É precisamente do confronto
com as imagens do passado e a sua actualização na
experiência/memória visual e narrativa da artista que surge o corpo
de obras concebidas durante e após esta experiência com a colecção
da National Gallery.
A Caçadora Furtiva, na Casa das Histórias Paula
Rego, mostra, com particular destaque, uma série de trabalhos da
artista que resultam precisamente deste encontro com as colecções
de museus ou os que são criados na sequência de um convite para
exposição nesse contexto museológico, sem que haja necessariamente
uma relação com as colecções.
É nesta condição de caçadora furtiva que persegue a
sua presa e se recolhe, para depois se fundir com ela, que devemos
olhar para as obras presentes nesta exposição.
As forças invisíveis presentes na pintura
de Manuel Amado são, em primeiro lugar, as suas ligações afetivas
aos espaços que habitou e que são reveladas através da memória, não
fotográfica, mas uma memória reconfigurada que contém ressonâncias
que derivam do passado e do presente, do momento em que esses
espaços estão a ser relembrados pelo artista, através da pintura.
Mas podem a vida, o tempo e as suas memórias serem tornados
visíveis? Marcel Proust, na sua obra À la Recherche du Temps Perdu,
aludiu à memória involuntária, distinguindo-a da memória voluntária
que ilustra ou narra o passado. A memória involuntária, que segundo
o autor contém a essência do passado, funciona de um modo
completamente distinto, juntando duas sensações que existiram em
diferentes níveis do corpo e que se apreendem uma através da outra,
a sensação do presente e a do passado, surgindo algo que era
irredutível a qualquer uma delas. Assim se estruturam estes espaços
criados por Manuel Amado, a partir de zonas de confronto, de
sensações divididas, que se readequam umas nas outras, precisamente
como notou Paula Rego: "É como se ele pintasse para erradicar um
fantasma, algo que nunca conseguirá fazer."