Old Meets New
Paula Rego
25 de maio a 30 de outubro de 2016
Exposição prolongada até 26 de fevereiro de
2017
Inauguração dia 25 de maio às 18h00
Curadoria: Catarina Alfaro
A apropriação das histórias a partir da palavra escrita é um
exercício matricial e recorrente na obra de Paula Rego. A sua
aprendizagem na Slade School of Fine Art, em Londres, de
1952 a 1956, foi determinante para a estimulação desta linha de
pesquisa permitindo-lhe desenvolver uma linguagem figurativa
pessoal em que o seu universo de referências identitárias está
sempre presente.
A preocupação em imprimir um cunho realista às suas obras partindo
da realidade que mais lhe é próxima, a de Portugal, está na origem
da pesquisa pictórica de Paula Rego e é igualmente partilhada pelo
escritor português que mais admira, Eça de Queirós (1845-1900). O
processo de denúncia social e política é elaborado por ambos a
partir de uma observação atenta do quotidiano e reflete, apesar da
distância cronológica que os separa, o modo como o contexto
ideológico, filosófico, político e mesmo moral do realismo foi
determinante na definição dos seus percursos artístico e
literário.
A seleção das narrativas queirosianas por Paula Rego como ponto de
partida narrativo para as suas novas séries de obras O Primo
Basílio (de 1878) e A Relíquia (de 1887) foi
realizada em total coerência com a temática transversal à sua obra:
os dramas morais e sociais; as relações humanas, sem artifícios nem
heróis.
Cada cena é recriada numa sequência visual de momentos-chave de
dramaticidade e os títulos que a artista atribui a estas obras
podem identificar vagamente os enredos dos romances de Eça. Não há
dúvida que as suas pinturas partilham simbolicamente os lugares e
personagens convocados por estas imagens literárias, mas há
sobretudo e sempre uma intenção transformadora que autonomiza as
pinturas das histórias originais. Essas ficções são encenadas,
representadas e reinterpretadas no atelier da artista, onde as
histórias ganham vida própria através dos modelos vivos, sobretudo
Lila Nunes. Paula Rego escolhe também os figurinos, vestindo todos
os seus intervenientes com roupas criadas para o momento narrativo
pictórico. Juntam-se ainda outros elementos-chave à composição:
mobiliário e demais aspetos decorativos são aqui metodicamente
incorporados. As personagens ocupam este espaço cenográfico
complexificado, posicionando-se em cena de acordo com o seu papel
principal ou secundário, dando uma nova vida às histórias. Nesta
abordagem marcadamente autoral e muitas vezes auto-referencial, as
obras deixam de se submeter, numa delineada estratégia de
transgressão, às suas referências exteriores. Estas, por sua vez,
ganham um novo sentido ao articularem-se, na tela ou no papel, com
elementos e histórias que apenas à autora dizem respeito.
Paula Rego tem-se servido das técnicas da gravura e da litografia
para expressar a sua voz crítica, mordaz e socialmente
interventiva. Os melhores exemplos desta denúncia social são as
séries Aborto (1999-2000) e Mutilação Genital
Feminina (2009). Exposta pela primeira vez na Casa das
Histórias Paula Rego, esta perturbadora série sobre a mutilação
genital feminina alerta-nos para um terrível problema social, com
contornos religiosos, que atinge sobretudo as meninas entre o
nascimento e a puberdade. Paula Rego retrata este cruel e
traumático processo cirúrgico criando as imagens terríficas que o
tema exige.
Destacam-se ainda nesta exposição três obras de uma série de seis,
realizadas em 2014, sobre a vida do último rei de Portugal, o rei
D. Manuel II, O Rei Saudade. Paula Rego regressa, com esta série, a
uma reflexão sobre a vivência do exílio iniciada em 1963 na obra
Exílio [Um velho exilado sonhando da sua juventude].